Nos últimos anos, tem-se registado um aumento considerável do número de pessoas diagnosticadas com doença celíaca. É por isso que gostaria de falar sobre o glúten neste post, uma vez que esta escritora do "Moms Runners" sofre de doença celíaca há apenas 5 anos.
Esta é a minha história:
Os meus problemas gastro-intestinais começaram no ano 2000. Tudo me fazia mal! Uns dias algumas coisas faziam-me mal, no dia seguinte estavam bem, no dia seguinte estavam piores. Tinha digestões pesadas, inchaço, tive uma gastroenterite atrás da outra, e assim por diante. Em 2011, tive uma pancreatite que me manteve no hospital durante quinze dias. No ano seguinte, retirei a vesícula biliar porque estava sempre a ter cólicas biliares... até que o meu corpo não aguentou mais e disse basta. Depois de um internamento hospitalar por causa de um inchaço abdominal, fiz exames mais aprofundados e, a 25 de abril de 2013, descobriram o diagnóstico: EU ERA CELÍACA! ERA RA CELÍACA!
Agora, o que é que posso comer como celíaca?
Quando se recebe este diagnóstico, sai-se da clínica digestiva a pensar: O que é que posso comer agora? Onde é que posso comer?... Chega-se a casa desmoralizado, desorientado, a fazer-me mil perguntas e com a intenção de verificar a despensa: QUASE TUDO TEM GLÚTEN ou TRAÇO! Cola-Cao, frutos secos, salsichas, gomas... até a pasta de dentes pode conter glúten em alguns dos seus ingredientes!
O mundo caiu-me em cima... "por muito que goste de doces... o que é que vou fazer?", era a pergunta que me vinha à cabeça! Com o quão social é o ato de comer e as restrições que iria ter como resultado do meu diagnóstico!
Já para não falar dos comentários que ia ter de ouvir a partir de agora, tais como: "És magra porque não comes:
És magra porque não comes.
Estás a seguir a dieta sem glúten para perder peso?
Também aderiste à moda dos sem glúten?
Nem sequer consegues partilhar uma salada? Não é assim tão mau...
Não seja exagerado, só um bocadinho não lhe faz mal...
É celíaco? Muito ou pouco?
Não se preocupe, agora na Mercadona pode encontrar tudo sem glúten.
Entrei em contacto com a Associação de Celíacos de Navarra e deram-me uma série de orientações sobre como reeducar os meus hábitos e costumes alimentares. Tornei-me membro durante um ano, durante o qual aprendi o básico, e depois tenho vindo a aprender com a experiência.
Uma vez diagnosticada a doença, temos de mudar toda a nossa vida e a da nossa família. A partir de agora, tenho de começar a ler rótulos e mais rótulos quando faço compras, avisar a família de que vou ao aniversário deles para que se lembrem de separar as coisas para si, procurar restaurantes antes de ir a sítios para que eu saiba onde poderei comer e para que (obviamente) eles estejam cientes do problema e viajar SEMPRE com o meu kit para celíacos, porque nunca se sabe se se vai poder comer!
O kit básico para um celíaco consiste em tostas embaladas, pãezinhos doces, fruta, salsichas embaladas e alguns frutos secos. Coisas básicas para não ficar com inveja (e com fome) quando vê os outros a comer!
Ah, e habitua-te a que te chamem "o esquisito" do grupo!!! (Tudo isto por causa do afeto, eh!!!)
O que é a doença celíaca?
Comecemos por dizer o que é a doença celíaca segundo a FACE (Federation of Coeliac Associations). A Doença Celíaca (DC) é uma doença autoimune, causada pelo glúten e prolaminas relacionadas, em indivíduos geneticamente susceptíveis, e caracteriza-se pela presença de uma combinação variável de: manifestações clínicas dependentes do glúten, anticorpos específicos da DC, haplótipos HLA DQ2 ou DQ8 e enteropatia. Esta definição foi actualizada pela ESPGHAN, Sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição, em 2012.
Trata-se de uma intolerância (AO LONGO DA VIDA) às proteínas do glúten. A ingestão de glúten provoca uma atrofia grave das membranas mucosas das paredes intestinais nas pessoas com doença celíaca. Com uma dieta sem glúten, estas mucosas normalizam-se e os sintomas da doença desaparecem.
Segundo a FACE (Federation of Coeliac Associations), os sintomas podem variar consoante a idade e podem também ser atípicos ou ausentes, o que pode dificultar o diagnóstico.
Com o tempo, descobri a Helena Osés Ursua, da Disfrutando Sin Gluten, através das redes sociais, fiz um curso de sobremesas com ela em sua casa... e ela abriu-me os olhos: os celíacos podem fazer sobremesas tão boas (ou melhores) do que as pessoas que podem comer glúten. Obrigada Helena, não és apenas uma excelente pasteleira, és uma amiga.
Há apenas duas coisas a ter em conta:
- Cuidado com a contaminação cruzada dos ingredientes.
- O aumento considerável do orçamento para a alimentação.
Sim, amigos de Runnea, os celíacos têm de comer coisas básicas... e nós não somos ricos! Não, não estou a falar de comer lagosta e meixão todos os dias... pagamos muito dinheiro por um simples pacote de massa (tão essencial na dieta dos corredores) e, mesmo assim, temos de ter sempre cuidado!!!! Nunca viu um grão de trigo num pacote de lentilhas? Pois bem, experimentem e estejam atentos... vão ver, vão ver....
Também cruzei o meu camino como professora com Laura Celaya, cujo marido e filha são celíacos, e que me ensinou a fazer pão delicioso na máquina de fazer pão.
Portanto, ser celíaca (e intolerante à lactose) também trouxe coisas positivas à minha vida. Conheci pessoas fantásticas; aprendi a comer melhor e de forma mais saudável; a ouvir o meu corpo; e, mais importante, a gostar de comer. Só quem me conhece bem sabe as dores por que passei... não é mãe?
Corredor e celíaco: é possível?
Diz o ditado que todas as nuvens têm um lado bom, e um ano depois de ter a minha segunda filha, com mil complicações incluídas, o meu corpo conseguiu recompor-se e estabilizar-se. E então decidi tornar-me corredora!
Durante um dos exames de controlo da doença celíaca, mencionei o assunto à minha médica digestiva e ela disse-me que teríamos de fazer análises mais frequentes, uma vez que a doença celíaca está associada - entre muitas outras coisas - a uma má absorção de ferro e os corredores consomem muito ferro durante a sua atividade. E se juntarmos a isso o facto de a Jimena ainda estar a amamentar... Não me podia dar ao luxo de ficar com anemia. A propósito, sabia que a introdução do glúten entre os 7 meses de idade, se possível com a amamentação, parece ter um efeito protetor contra uma possível intolerância ao glúten?
Ele deu-me os resultados das primeiras análises e tudo estava dentro dos limites da normalidade. Deu-me luz verde! Mas mesmo assim receitou-me alguns suplementos de ferro para tomar de dois em dois meses. Também me deu novas directrizes para que a minha dieta incluísse alimentos ricos em ferro.
O que é que uma celíaca e mãe corredora come ao pequeno-almoço antes de uma corrida? No meu caso, como uma banana, uma torrada com compota e manteiga sem lactose, algumas nozes e um bom copo de café com leite (vegetal). Por vezes, como uma omeleta de fiambre... mas como sou gulosa, prefiro quase sempre a opção mais doce. Como podem ver, é muito completo. No primeiro post de Mamás Runners propusemos outras ideias de pequenos-almoços saudáveis, dêem uma vista de olhos!
E comecei a ir às corridas... Foi aí que percebi que a doença celíaca também me ia trazer "problemas" neste mundo running. Quando se chega à meta, há sempre fruta (a melhor opção para recuperar depois de uma corrida), mas também costumam haver bolachas... e aí é que está o problema: as pessoas pegam numa bolacha e depois vão pegar numa pera "provando" qual é a mais macia... e aí sim, as mãos cheias de bolacha com glúten tocaram nas pêras... mas eu não sei... por isso é preciso ter o cuidado de limpar bem a fruta... pelo sim pelo não! (E posso garantir que isto não é um exagero). Noutras corridas também já tive pessoas a distribuir sandes de omeleta de batata. Nessa ocasião, uma senhora muito simpática abriu uma omeleta exclusivamente para mim e para outra rapariga que também dizia era celíaca!
Quando chegou a altura de me inscrever na Behobia San Sebastian 2017, li o que me iam dar nos postos de abastecimento nos pontos de 10k e 15 km: sultanas, gomas e fruta. Era a primeira vez que corria, por isso não sabia muito bem do que se tratava. Mais uma vez, decidi correr com os meus "refrescos" no meu soutien desportivo (neste caso, tâmaras). A corrida começou: o refresco dos 5k era líquido, o seguinte seria sólido... havia uns tuppers grandes cheios de sultanas, outros com "chuches" (feijões coloridos) e depois havia as bananas descascadas e cortadas ao meio... Vi como as pessoas metiam a mão numa tupper, depois noutra, ou pegavam nas bananas conforme as suas necessidades... Pensei rapidamente nesse momento (as sultanas podem ter glúten, os doces também... vou optar pela banana) e optei pela fruta... mas apercebi-me que as pessoas estavam a meter a mão nas tuppers (coisa óbvia e lógica) à libre... portanto, podia haver contaminação cruzada! Por isso, parei e perguntei a uma rapariga se tinham bananas com casca, pois eu era celíaca. A rapariga, muito simpática, tirou duas bananas de uma caixa debaixo das mesas e deu-mas. Só aceitei uma. Era suficiente. Parabéns à organização do Behobia! Parabéns! E... OBRIGADO!!!!
Amigos, é possível ser-se corredor e ter doença celíaca! Só temos de ter mais cuidado com a nossa alimentação e com a meta. Comemos de forma mais saudável, uma vez que produtos sem glúten são geralmente mais processados e estamos mais conscientes desse facto. E NÃO, não estamos a seguir uma moda (passageira) para perder peso... as nossas vidas dependem disso!!!!
Para encerrar o post, deixo-vos duas fotos da minha amiga Helena, a saborear produtos sem glúten que ironizam perfeitamente o nosso dia a dia!